Interlúdio com Golfinhos
Num dia de Verão de 1957, enquanto o Calypso estava em reparação em Antíbes, “o Paxá” procurou-me.
- Bébert, quero que me apanhes um casal de golfinhos.
Explicou-me que os animais se destinavam a ser exibidos numa piscina especial, que fora projectada, construída e equipada pelo Museu Oceanográfico do Mónaco.
Se na altura soubesse o que sei hoje, talvez tivesse recusado, porque esses animais sociáveis, sensíveis e inteligentes sofrem horrivelmente em cativeiro. Mas há 30 anos pouco se sabia acerca deles e a missão era um desafio.
À nossa lancha, o Espadon , foi adaptada uma haste especial, que se projecta cerca de 3m para além da proa, ficando aproximadamente 1,5m acima da água. A minha ideia era segurar-me á haste com uma das mãos e com a outra suspender uma corda na água, a qual tinha uma laçada e um nó corrediço na ponta, formando uma espécie de laço. Quando já dominava este dispositivo fomos caçar acompanhados por um zeloso bote, mas nunca tive a certeza se a sua prioridade salvar-me ou rebocar a presa para o museu.
Depois de vários dias infrutíferos, de vários banhos forçados e de alguns falhanços, consegui capturar um macho adulto. Debateu-se menos do que eu previa. De facto, passados poucos minutos, ficou imóvel na água, aparentemente, com dificuldade em respirar. Parecia Ter sofrido um profundo choque. O Zodiac rebocou-o o mais rapidamente para o museu, no Mónaco, e solto-o na piscina.
Estava tão fraco que se afundou como uma pedra, e receei que estivesse a morrer. Mergulhei, trouxe-o á superfície e agarrei-o o melhor que pude, mantendo o orifício respiratório fora da água.
Quando voltou a si, investiu contra a parede da sua prisão com tamanha violência que quase perdeu os sentidos. Voltei a traze-lo á superfície e segurei-o pela barbatana, dando-lhes leves palmadas. Abriu um olho. Todo o corpo tremia. Tentei tranquilizá-lo e afastei-me devagar dentro de água. Seguiu-me. Sem largar a barbatana, fi-lo dar a volta á piscina, tocando com o focinho na parede para perceber que não havia mar aberto para onde se pudesse evadir. Eu sentia-me dividido entre o deslumbramento por estar ao pé de um animal tão dócil, tão forte e tão inteligente, e a tristeza por saber que não era seu amigo mas sim o seu carcereiro, que lhe ensinava os limites da cela.
Alguns dias depois consegui aprisionar uma fêmea da mesma espécie, Delphinus delphis . Todos esperava-mos sinceramente que os nossos cativos se sentissem mais felizes juntos, mas, infelizmente, assim não aconteceu e, em menos de uma semana, o macho morreu.
A fêmea superou o cativeiro durante mais tempo. Habituou-se a mim e, quero acreditar, tornou-se até minha amiga. De manhã, quando ouvia o rangido das portas que davam para a piscina, emita chilreios, guinchos e ruídos, que eu interpretava, talvez erradamente, como manifestações de alegria. Costumava mergulhar e ela nadava a meu lado, dando cambalhotas, saltos no ar, esfregando-se contra mim e aproximando o focinho afectuosamente.
Porém, depois de estar no Museu Oceanográfico há pouco menos de seis meses, uma manhã fui dar com ela imóvel no fundo da piscina. Quando mergulhei não emitiu qualquer som e, apesar das carícias e do peixe apetitoso que lhe ofereci, não quis brincar. Na manhã seguinte estava morta.
“O Paxá” ficou ao mesmo tempo triste e irritado:
- Se eu fosse director daquele museu, não haveria uma piscina de golfinhos.
Mas para mim a experiência não fora totalmente negativa. O contacto com os golfinhos ensinou-me o que significam, na verdade, a paciência, a amabilidade e o respeito pela individualidade dos animais. Em resultado das longas horas que passei dentro de água com o golfinho fêmea, compreendi que cada criatura tem a sua personalidade própria e única e que, neste sentido, merece o mesmo tratamento e consideração que qualquer ser humano.